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Pergunta

Como deve ser interpretada a poesia na Bíblia?

Resposta


Cerca de um terço do Antigo Testamento é poesia. "Salmos, Provérbios, Cântico dos Cânticos e Lamentações são inteiramente poéticos em sua forma. A maior parte de Jó e partes de Eclesiastes são poéticas, enquanto as narrativas em prosa nos livros de Gênesis, Êxodo, Números, Deuteronômio, Juízes e 1-2 Samuel contêm seções poéticas substanciais. Os livros proféticos de Obadias, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias são compostos completamente em prosa oracular [uma combinação de poesia e prosa comum em livros proféticos]. . . . Isso também se aplica a grandes partes de Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel e Amós. No Antigo Testamento, apenas Levítico, Rute, Esdras, Neemias, Ester, Ageu e Malaquias contêm pouco ou nenhum material poético" (A Survey of the Old Testament, 2ª ed., Andrew Hill e John Walton, Zondervan, 2000, p. 308).

Uma característica fundamental da poesia portuguesa é a rima. Nem todos os poemas em português rimam, mas a rima é frequentemente um marcador da poesia em português. Junto com a rima, a métrica ou o "ritmo" das palavras faz parte da poesia em português. A poesia também pode usar linguagem figurativa. Na poesia hebraica, a rima não é importante; a métrica e o som das palavras são importantes, mas essas qualidades são perdidas para o leitor português na tradução. A poesia hebraica também usa linguagem figurativa. Mas a característica dominante da poesia hebraica é o paralelismo.

O paralelismo na poesia hebraica é um exemplo de dois pensamentos lado a lado que têm alguma relação um com o outro. Muitas vezes, o paralelismo é sinônimo: a mesma ideia será expressa de maneiras diferentes, ou seja, em vez de sons rimados, as linhas têm pensamentos rimados. Às vezes, o paralelismo é antitético: dois pensamentos opostos serão contrastados. Outras vezes, os dois pensamentos paralelos estarão em uma relação de causa e efeito ou em alguma outra sequência lógica. A principal preocupação com a interpretação é que, se um verso da poesia não estiver claro, o segundo verso pode ajudar a esclarecer o significado.

O Salmo 1 é um bom exemplo de como a compreensão do paralelismo ajudará a entender o salmo:

Bem-aventurado é aquele que não anda no conselho dos ímpios,

não se detém no caminho dos pecadores,

nem se assenta na roda dos escarnecedores.

Pelo contrário, o seu prazer está

na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite.

Ele é como árvore plantada junto a uma corrente de águas,

que, no devido tempo, dá o seu fruto,

e cuja folhagem não murcha; e tudo o que ele faz

será bem-sucedido.

Os ímpios não são assim; são, porém, como a palha

que o vento dispersa. Por isso, os ímpios

não prevalecerão no juízo, nem os pecadores,

na congregação dos justos. Pois o Senhor conhece

o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá.


Aqui temos um paralelismo em vários níveis. Considerando o salmo como um todo, vemos o indivíduo abençoado nos versículos 1-3, em contraste com a multidão perversa nos versículos 4-5.

Na descrição do abençoado, há um paralelo contrastante entre o que a pessoa não faz (versículo 1) e o que ela faz (versículo 2).

No versículo 1, há três pensamentos em paralelo que descrevem o que a pessoa abençoada não faz:

Bem-aventurado é aquele que não

- não anda ao lado dos ímpios

- não se coloca no caminho dos pecadores

- sentar-se na companhia dos zombadores

Alguns intérpretes criaram uma aplicação para o Salmo 1:1 com base no que parece ser uma progressão do andar para o ficar de pé e para o sentar. A aplicação geralmente tem a ver com um aviso de "ladeira escorregadia" de que, se você andar com os pecadores, logo estará em pé com eles e, finalmente, sentado com eles. Isso geralmente é aplicado a adolescentes e suas escolhas de amigos. Um adolescente precoce pode então rebater o argumento apontando para Jesus, que andou, ficou de pé, sentou-se e até comeu com pecadores (Mateus 9:10-17). Por mais intrigante que essa aplicação possa ser, ela realmente não alcança o ponto do versículo 1.

Uma compreensão do paralelismo nos levaria a duvidar que essa progressão seja a ênfase pretendida do texto. No paralelismo sinônimo, os três pensamentos estão essencialmente dizendo a mesma coisa: todos os três verbos - andar, ficar de pé, sentar - enfatizam o mesmo ponto. Além disso, "andar ao lado dos ímpios" não significa literalmente andar com uma pessoa que é ímpia, mas "viver um estilo de vida ímpio". Da mesma forma, "ficar de pé" ou "sentar-se" significa que a pessoa tomou seu lugar entre os pecadores ou zombadores - ela se juntou a eles - mesmo que esteja fisicamente isolada deles. A ênfase no Salmo 1:1 está na adoção de um padrão de vida pecaminoso. Uma pessoa se junta às fileiras dos pecadores ao abraçar e participar do pecado e zombar das coisas de Deus, e não ao ficar de pé e conversar ou sentar-se para uma refeição com eles.

O Salmo 1:2 nos apresenta um pensamento antitético ao versículo 1, usando um paralelismo sinônimo internamente; o versículo 2 nos diz o que a pessoa abençoada faz:

mas cujo prazer está na lei do Senhor,

e que medita na sua lei de dia e de noite.


Embora, tecnicamente, deleitar-se e meditar signifiquem coisas diferentes (assim como andar, ficar de pé e sentar-se significam coisas diferentes), o objetivo do versículo 2 é enfatizar as semelhanças. O prazer do homem justo é meditar na Palavra de Deus. A pessoa abençoada é consumida pela lei de Deus (versículo 2), o que contrasta com as ações negativas do versículo 1. Podemos inserir algumas das ideias do versículo 1 no versículo 2 para ter uma ideia melhor do contraste:

Bem-aventurado é aquele que não se deleita com os caminhos do pecado

Mas se deleita na lei de Deus.

Bem-aventurado é aquele que não anda no caminho dos pecadores

Mas que anda de acordo com a lei de Deus.


Assim, o caminho dos pecadores é contrastado com a lei de Deus. Novamente, a ênfase não está em juntar-se fisicamente à companhia dos pecadores, mas em aceitar o padrão pelo qual os pecadores vivem. Há dois padrões - o padrão pecaminoso e o padrão divino. Os dois pensamentos são paralelos um ao outro - a lei de Deus e a "lei dos pecadores". Uma compreensão adequada do paralelismo nos impedirá de seguir em uma direção errada.

O paralelismo continua. O Salmo 1:3 diz o seguinte sobre a pessoa justa:

Ele é como árvore plantada junto a uma corrente de águas,

que, no devido tempo, dá o seu fruto,

e cuja folhagem não murcha; e tudo o que ele faz será bem-sucedido.


Novamente, as linhas 2 a 4 dessa estrofe são paralelas - elas dizem mais ou menos a mesma coisa.

Essa descrição dos justos é antiteticamente paralela a uma descrição dos ímpios no versículo 4, que exibe um paralelismo emblemático (a justaposição de uma metáfora com seu significado):

Os ímpios não são assim; são, porém, como a palha que o vento dispersa.

A "árvore" justa tem frutos e folhas verdes no versículo 3. Os injustos são como a palha seca e não comestível no versículo 4. Ao contrário dos justos firmemente plantados, os injustos são simplesmente levados pelo vento.

O Salmo 1:5 contém mais paralelismo:

Por isso, os ímpios não prevalecerão no juízo, nem os pecadores, na congregação dos justos.

Os ímpios e os pecadores são termos paralelos. Julgamento e assembleia dos justos também são sinônimos. Há até mesmo um paralelo que remonta ao versículo 1. Lá, os justos não se interpõem no caminho dos pecadores. Aqui, os pecadores não podem estar com os justos.

O último versículo leva a um paralelo final:

Pois o Senhor conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá.

Como o Senhor é a causa da proteção dos justos, podemos presumir, com base no paralelismo da poesia hebraica, que o Senhor também é a causa da destruição dos iníquos. Como a destruição é o destino dos iníquos, podemos presumir que o destino dos justos é o oposto disso, embora essa verdade não esteja explicitamente declarada. Completando os pensamentos implícitos pelo paralelismo, o versículo 6 pode ser lido da seguinte forma:

Pois o Senhor cuida do caminho dos justos, e eles nunca serão destruídos,

mas o caminho dos ímpios, sem a proteção do Senhor, leva à destruição.


Reconhecer a linguagem figurativa (metáfora, símile, hipérbole, personificação etc.) é importante para interpretar qualquer poesia. E, na poesia hebraica, a compreensão do paralelismo também é uma chave importante. Ao analisar cuidadosamente o paralelismo, muitos poemas se tornarão muito mais claros. Ao estudar a poesia hebraica, desenvolver algum tipo de diagrama pode ajudar a estabelecer visualmente os paralelos. Embora a essência do salmo possa ser resumida em uma frase, a análise da poesia ajudará a verdade da Palavra de Deus a penetrar em nossa alma com muito mais profundidade.

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